Livros de Fantasia
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domingo, setembro 11, 2005

Especial Mundo Fantástico no Jornal de Letras

O Jornal de Letras (quinzenal) do passado dia 31 de Agosto publicou um artigo sobre o Fantástico Português, incluindo entrevistas com Filipe Faria (Crónicas de Allaryia), Inês Botelho (o Ceptro de Aerzis), Miguel Ávila (Vatur), Ricardo Pinto (A Dança de Pedra do Camaleão) e Sandra Carvalho (A Saga das Pedras Mágicas).

Podem ver a entrevista ao Filipe Faria:

Mais de 400 páginas por volume, um guia básico de pronunciação e um extenso glossário. Os livros de Literatura Fantástica de Filipe Faria não são simples, nem de leitura fácil. Exigem, de resto, ao próprio autor uma disciplina de escrita que cumpre religiosamente. Tem um período de férias anual, mais ditado pela publicação dos livros do que pelo ritmo escolar da Universidade Nova de Lisboa, onde frequenta o curso de Línguas e Literatura Modernas, variante Inglês-Alemão. Nos dias correntes, as manhãs «são tempo perdido para a escrita. À tarde prefere «fazer outras coisas para não estar sempre fechado no quarto». Mas as noites estendem-se em laboriosa imaginação. «A mínima falta de inspiração pode ser desastrosa, por isso é necessário uma disciplina, como, por exemplo, 'hoje vou escrever x páginas, se não o conseguir, amanhã escrevo mais'. Isso é fundamental para acabar livros desta envergadura», afirma.

Essa persistência intensificou-se a partir do momento em que Filipe Faria publicou, em 2002, o seu primeiro livro. A Manopla de Karasthan, distinguido com o Prémio Branquinho da Fonseca Expresso/Gulbenkian, e desde aí, a um ritmo anual, as sequelas: Filhos do Flagelo, Marés Negras e, agora, A Essência da Lâmina. «Mesmo não tendo prazos a cumprir, tenho de escrever. Sinto uma obrigação para com os leitores de lhes mostrar o desenlace, quer venham a gostar ou não». Há outra desculpa para justificar tamanha dedicação num escritor tão novo. E Filipe Faria não a esquece, embora a revele entre risos: «Tenho de me manter ocupado. A vida de um escritor é um pouco ociosa e se não faço render o meu tempo...»

Filipe Faria prevê que as Crónicas de Allaryia se dividam por sete livros, embora esta conta possa descer até aos seis ou subir aos dez. Depende da evolução da história. No entanto, já tem todos os livros planeados e já sabe o que vai acontecer em cada momento, inclusivamente o final. Aliás, antes de começar a escrever faz «uma estruturação muito detalhada de como vai ser o livro». Capítulo a capítulo vai fixando por palavras soltas os principais acontecimentos, mas para que a escrita não se torne mecânica – «não estar só a debitar da cabeça para o papel» – há lugar para a liberdade. «Tenho sempre o cuidado de deixar espaços em branco nesse esqueleto, para de alguma forma sentir um estímulo adicional quando estou a escrever, pois o facto de não saber o que vai acontecer em determinado momento leva-me a querer chegar lá mais depressa, ou a ir matutando, enquanto escrevo».

Com este trabalho se tem feito a sua aprendizagem da escrita. Quando olha para o primeiro volume, escrito entre os 16 e os 20 anos, Filipe Faria reconhece que, por vezes, «o diálogo é um pouco doloroso» e mesmo o ritmo do enredo «deixa algo a desejar». Mas é sem complexos que faz esta análise. «Era a capacidade que tinha na altura, não há nada a fazer. No entanto, o livro continua a ter os seus méritos», afiança. O que não tem comparação são os livros que agora escreve: «Não há dúvida que evoluí ao nível da escrita, da planificação, da caracterização das personagens e da elaboração dos diálogos».

Porta de entrada
Foi numa ida à biblioteca do colégio alemão, que frequentou do jardim infantil ao 12° ano, que Filipe Faria encontrou, aos 12 anos, a sua «porta de entrada» para a Literatura Fantástica. Passando os olhos pelas estantes, encontrou um bestiário de toda a obra de J.R.R. Tolkien. O «fascínio» foi imediato. «Era claramente uma obra de ficção, mas a maneira como estava escrito e como relatava toda aquela ecologia, cosmogonia, aquela diversidade de raças, era tão verosímil que parecia que aquele mundo existia», recorda. Para uma criança que sempre gostou de inventar e encarnar personagens, de criar universos próprios, foi uma leitura «muito marcante». À necessidade de escrever histórias, cujas primeiras manifestações foram bandas desenhadas que fazia para si próprio, juntava-se agora uma fonte de inspiração que lhe permitia sonhar e consolidar as suas ideias.

Deu, então, o segundo passo, a leitura da «bíblia»: O Senhor dos Anéis. «Foi o primeiro livro que li por gosto», garante Filipe Faria. E leu-o numa altura em que não era tão fácil encontrá-lo como hoje em dia, devido às adaptações cinematográficas de Peter Jackson. «Tive de calcorrear boa parte de Lisboa para os comprar, a minha mãe ficou estupefacta por ver tanto esforço por causa de um livro». Seguiram-se os outros volumes de Tolkien, O Hobbit, O Silmarillion, Contos inacabados de Númenor e da Terra Média e As aventuras de Tom Bombadil e outras histórias. «Li tudo o que havia para ler», garante.

Nos jogos de cartas Magic the Gathering e nos 'role playing games' Dungeons & Dragons, jogos em que cada participante interpreta uma personagem, encontrou a confiança necessária para dar sequência ao mundo que andava a desenvolver. «Criava algozes que eram mais do que o vilão habitual, reviravoltas nos enredos, histórias minimamente estimulantes. Essas sessões deram-me uma nova perspectiva da criação, noções básicas de como fazer uma história, pois vi-me obrigado a justificar o que ia acontecendo». Mas depois veio «um vazio». A porta continuava aberta, só faltava começar a escrever.

Um bitoque fantástico
A comparação pode não ser a melhor, mas, na opinião de Filipe Faria, é certeira. «A Literatura Fantástica é como o bitoque, pode ter outro molho, mais ou menos sal, um ovo a cavalo, mas em última análise é sempre um bife com batatas fritas. Há certos elementos aos quais não vale a pena fugir, sob o risco de fazer um bacalhau à brás e isso não faz sentido». E dessa «fantasia padrão» – que Faria caracteriza como «um vilão quer destruir o mundo ao mesmo tempo que o artefacto-espada-talismã-baú-sagrado-profano-salvador tem de ser encontrados para o libertar dessa ameaça» – faz-se também as suas Crónicas de Allarya.

Narradas por um escriba ainda não identificado, «que continua zelosamente a contar a história de um mundo que um dia foi o seu», esta saga relata as aventuras de Aewyre, filho mais novo de Aezrel Thoryn, rei do povo de Allarya, de quem não se sabe o paradeiro. Decidido a saber o que se passou realmente com o seu pai, Aewyre pega na espada Ancalach e dirige-se a Asmodeon, onde ocorreu uma batalha sangrenta contra o Flagelo. Pelo caminho forma-se uma irmandade, que reúne as mais improváveis criaturas, e a quem caberá descobrir o segredo há muito escondido e combater o perigo que cresce de dia para dia. Ao longo da demanda, os membros deste grupo destacam-se «pela amizade que nutrem uns pelos outros, pela nobreza de carácter e espírito de sacrifício».

Cada personagem é para Filipe Faria «como um filho» e todas têm traços da sua personalidade. Aewyre representa a sua «impulsividade», a vontade de resolver as coisas da forma mais expedita possível, sem muitas vezes pensar nas consequências. Allimno, um mago, encarna o papel que desempenha quando está com amigos, pois embora não o procure ser, é muitas vezes o «mais atinado, a voz da razão». Babaki é a sua «face mais branda»: «Também consigo ter um mínimo de sensibilidade para com as necessidades dos outros». Lhiannah, a loira típica, é o «lado feminino que todos os homens têm» e revela as facetas que Filipe Faria não aprecia nas mulheres: «É teimosa, casmurra, agressiva». Quenestil, amigo de longa data de Aewyre, aproxima-se, por outro lado, dos seus aspectos «mais primários», que se manifestam quando se vê perante determinadas paisagens e o «sangue começa a correr mais depressa». Taislin, um cleptomaníaco sem cura, é o mais maroto e inconsequente, porque Filipe Faria também gosta de «disparatar e dizer piadas». Slayra, a segunda menina do grupo, corresponde a outro pólo feminino, e inversamente a Lhiannah «tem um espírito livre e expansivo». Finalmente, Worick, o mais apreciado nas discussões do fórum de Filipe Faria (www.allaryia.cjb.net), «é ordinário, maldisposto, feio, porco e mau», embora esteja do lado do bem. «E o pior que há em mim», assegura o escritor.

A história pela história
Ao contrário de O Senhor dos Anéis, que Tolkien escreveu durante a II Grande Guerra Mundial, dando origem, por isso, a inúmeras analogias políticas, Filipe Faria garante que, com os seus livros, não pretende «fazer nenhuma declaração moral». «Não quero pregar filosofia a ninguém, nem proferir juízos de valor. Apenas contar uma história», sublinha.

Mas isso não invalida que esteja atento ao que o rodeia e que os seus protagonistas tenham dúvidas que ponham em causa a sua integridade. «Este é um mundo violento e às vezes as personagens têm de tomar decisões imediatas, com repercussões em grande escala, que vão além do matar para sobreviver». Por isso costuma dizer que tem «os pés na terra e a cabeça nas nuvens». E apesar de tudo ser fruto da sua imaginação e de ter poucos paralelos com o nosso quotidiano, as suas histórias acabam por ser um espelho do mundo «extraordinariamente fascinante» que é a terra. «Quando penso no que certos povos conseguiram fazer, nos avanços da Civilização, chego à conclusão que o que faço não é assim tão fantástico. E para encontrá-lo, basta olhar à nossa volta...»


Fonte: Jornal de Letras

em Editorial Presença


3 Comments:

  • Só uma correcção: dizes ir apresentar a entrevista do Ricardo Pinto (aproveito para recomendar a leitura da sua saga e para não desmoralizares ao início) e apresentas a do Filipe Faria.

    By Anonymous Anónimo, at 10:26 da tarde  

  • eh eh foi um lapso :D
    Obrigado pela emenda

    By Blogger João Portela, at 11:45 da manhã  

  • Sempre às ordens.
    Não poderás colocar por aqui as entrevistas aos outros autores?

    By Anonymous Anónimo, at 5:50 da tarde  

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